Mãos de artista
À entrada, dois grandes fornos industriais de finais do século XIX dão as boas vindas ao visitantes que, em busca da famosa porcelana, se deparam primeiro com estes gigantes em tijolo e só depois com as frágeis peças que fazem da Vista Alegre uma das mais reconhecidas marcas mundiais. Mas o percurso não é aleatório. Foram estes fornos que, durante praticamente duzentos anos de história, prepararam boa parte dos produtos que hoje passam de pais para filhos, numa herança quase obrigatória, ou nos grandes elementos decorativos presentes em instituições públicas ou privadas.
A Vista Alegre acaba por tocar todos os portugueses, ou porque são fiéis depositários de uma peça até à geração seguinte, ou porque se identificam com os ideais do seu fundador, José Ferreira Pinto Basto, um humanista que mais do que construir uma fábrica, quis erigir uma comunidade viva, em que os valores da solidariedade e justiça social estavam acima de quaisquer outros. E parece ter sido bem sucedido. Quase a cumprir 200 anos, o bairro social que acolhe os trabalhadores da unidade produtiva ainda tem 40 famílias que ali vivem com muitos dos benefícios idealizados em 1824, como o grupo de teatro, o clube de futebol ou a filarmónica…
Foi também nesse ano inaugural que surgiu a ideia de fazer nascer um espaço museológico associado à fábrica. Segundo Filipa Quatorze, diretora do Museu da Vista Alegre, esta necessidade surgiu do “reconhecimento do valor da porcelana, da sua arte e estética mas também da exigência da sua técnica de produção”. Existem relatos, que datam de meados do século XIX, referindo a existência de um lugar que guardava, não só um exemplar das peças que iam sendo produzidas, mas também a coleção privada da família Pinto Basto. No entanto, foi preciso esperar até 1964 para que este espaço fosse aberto ao público. E mais uns anos para chegarmos ao atual museu, com um acervo de 30 mil peças que contam cerca de 200 anos de história de produção.
O circuito de visita, que parte dos tais grandes fornos industriais dos finais do século XIX, segue uma organização cronológica que começa por dar a conhecer a história da fábrica e do museu, desembocando em várias salas que vão permitir compreender algumas das fases mais emblemáticas do projeto da Vista Alegre. Temos assim um núcleo dedicado às artes decorativas, que passa em revista a sua evolução estética, com uma sala dedicada só à arte nova e aos seus artistas. Há outro núcleo que se debruça sobre a grande porcelana de comemoração – que, segundo Filipa Quatorze, “mostra tanto a cronologia da história do país como da fábrica, mas principalmente a história de cada um, das lembranças que passam de geração em geração”. E finalmente os núcleos da porcelana de aparato, mais clássica, e das peças do início da produção, mais luxuosas, com o romantismo do século XIX a ser o grande móbil. Pelo meio, o visitante tem uma surpresa muito especial. O ateliê de pintura manual está localizado no museu, sensivelmente a meio do percurso, o que significa uma oportunidade única para ver a magia das pintoras da fábrica que conseguem transformar qualquer peça Vista Alegre num autêntico objeto de arte. Afinal estamos a falar de um museu.