“Inferno” acumula enigmas ultrapassados e pouco desafiantes
“O Código da Vinci” chegou aos cinemas em 2006, com realização de Ron Howard e argumento de Akiva Goldsman (“Uma Mente Brilhante”). Seguiu-se “Anjos e Demónios”, em 2009: realização de Ron Howard, argumento de Akiva Goldman e David Koepp (“Missão Impossível”). “Inferno” estreou esta quinta-feira, 13 de outubro: realização de Ron Howard, argumento de David Koepp.
A fórmula não tem mudado e isso não é propriamente uma boa notícia. Vamos tentar decifrar o problema como se fosse um dos puzzles favoritos de Robert Langdon.
Enigma número 1: porque é que Ron Howard deixou passar tanto tempo para fazer uma terceira adaptação dos livros de Dan Brown?
“O Código da Vinci” (publicado em 2003) desencadeou uma corrida frenética aos thrillers do autor norte-americano, mas agora o entusiasmo já não é o mesmo, muito por culpa do escritor que não lança nada desde 2013 (“Origem” está previsto para 2017), mas também porque “Em Parte Incerta”, “A Rapariga no Comboio” ou “Deixei-te Ir” deram um impulso diferente ao género thriller mais psicológico, menos policial e com um desfecho mais rápido.
Howard e Koepp não conseguiram reinventar a fórmula e o problema é que, provavelmente, nem tentaram.
Howard já disse que, desta vez, quis levar o seu tempo — e, aliás, passou por cima do livro “O Símbolo Perdido”, de 2009 — para ter a certeza de que o argumento estava perfeito. Não está e assemelha-se muito ao primeiro filme. Em “Inferno” muda a cidade, agora é Florença, e a jovem brilhante e fascinada por Langdon só muda de atriz, de Audrey Tautou para Felicity Jones.
De resto, repetem-se as corridas nas ruas, as visitas relâmpago a locais turísticos (sempre evitando filas e passando por trajetos secretos). Howard e Koepp não conseguiram reinventar a fórmula e o problema é que, provavelmente, nem tentaram.
Enigma número 2: porque é que Ron Howard não se despegou mais do livro, criando algo verdadeiramente inesperado?
A verdade é que já ninguém se lembra dos detalhes de “Inferno”, quem é o mau, quem é o bom, onde está escondido o vírus que ameaça destruir metade da população. Os produtores podiam perfeitamente ter aproveitado isso para se descolarem da história original e darem ao espectador algo realmente surpreendente.
O próprio Hanks parece estar ali só para despachar o assunto o mais depressa possível, a desperdiçar tempo enquanto podia estar a interpretar um qualquer outro papel bem mais desafiante e interessante.
O filme está cheio de reviravoltas, mas é isso que acontece nos livros, já estamos à espera, já duvidamos de todas as personagens assim que elas aparecem no ecrã.
Enigma número 3: Porquê Felicity Jones?
O público não-britânico, que não a conhecia, ficou a saber quem era Felicity Jones com “A Teoria de Tudo”, que lhe deu uma nomeação para o Óscar de Melhor Atriz em 2015. Aqui podia perfeitamente competir por um Razzie (os piores do cinema) mas a culpa não é totalmente dela. Primeiro, é demasiado parecida com Tautou, com olhos esbugalhados e até um corte de cabelo semelhante. Depois, não tem diálogos nem momentos que a deixem brilhar, limita-se a debitar informação, tal como uma aluna obediente, e assim que a sua personagem ganha algum interesse, quase não fala, apaga-se completamente.
Ainda assim, o resto do elenco não deixa de ser bom e variado: Omar Sy, o francês de “Amigos Improváveis”, continua com um sotaque terrível mas é ótimo vê-lo de novo; Sidse Babett Knudsen já tinha mostrado o que valia em “Borgen”, fá-lo novamente em “Westworld”(a nova série da HBO) e tem aqui um pequeno mas importante papel; Irrfan Khan (“A Vida de Pi”) tem os únicos diálogos com verdadeiro sentido de humor do filme; e Ben Foster (“O Sobrevivente”) é um vilão completamente subaproveitado que só aparece em flashbacks.
Enigma número 4: Tom Hanks não tem coisas mais interessantes para fazer?
Deve ser dos atores mais ocupados de Hollywood — só este ano entrou em três filmes — e, mesmo assim, arranjou tempo para voltar a ser este professor de simbologia e iconografia religiosa. O cargo parece aborrecido? Depois de tanto tempo e sem qualquer elemento novo, é mesmo, e não apenas o cargo.
O próprio Hanks parece estar ali só para despachar o assunto o mais depressa possível, a desperdiçar tempo enquanto podia estar a interpretar um qualquer outro papel bem mais desafiante e interessante. A única boa notícia é que o cabelo está menos ridículo do que em “O Código Da Vinci”.
E agora, Robert Langdon, como é que vai decifrar isto?