Edgar Degas: a história de um aristocrata provocador

A propósito da exposição “Edgar Degas. No Mundo do Ballet. Com a participação especial de Paula Rego e Helena de Medeiros” que recebemos já a partir do dia 11 de abril no nosso Centro, recordamos a vida e a obra do pintor, gravurista, escultor e fotógrafo conservador que ajudou a fundar um movimento ultra vanguardista.

Nasceu a 19 de julho de 1834 em Paris e fez parte de uma das épocas artísticas mais luminosas da cidade da luz – e do mundo. No seio de uma família aristocrata que fazia parte de círculos parisienses privilegiados, Degas teve uma juventude tão protegida quanto estimulante. Desde pequeno se mostrou sensível, sonhador e determinado, com um forte interesse pelas artes plásticas, tendo o seu pai ajudado a cultivar estas suas aptidões com lições particulares em artes e em literatura, muito embora olhasse para estas áreas como secundárias na vida do filho. Ainda jovem, Degas criou um pequeno estúdio de desenho e pintura na casa da família, talvez por acompanhar regularmente o pai em visitas aos salões do Louvre e a coleções particulares de pintura da classe alta parisiense, conhecendo assim de dentro para fora o universo das artes e dos artistas. E talvez por isso se tenha apaixonado por ele.

Apesar de respirar arte, aos 18 anos, acabou por escolher Direito, como a sua família queria que fizesse, já que era um curso conceituado na altura e, por isso, uma escolha óbvia para os jovens burgueses. Não durou: era de ideias fixas e a arte havia de ser o seu destino. Passados dois anos, com o aval do pai, desistiu do curso para se dedicar inteiramente à pintura. Estudou em Paris durante meia dúzia de anos e, em 1858, acabou por viajar para Itália, onde ficou a viver com os seus tios e primos Bellelli. Foi nesta altura, com 24 anos, que começou a pintar “A Família Bellelli”, que só viria a terminar ao fim de nove anos e que acabaria por ser um dos seus trabalhos mais marcantes dentro do estilo clássico e convencional.

Durante os quase quatro anos que passou entre França e Itália, Edgar Degas visitou Roma, Nápoles, Pisa, Siena e Florença. Procurou aprender sobre a história da arte e acabou por copiar várias obras de pintores renascentistas italianos – prática comum na altura, que lhe viria a garantir um lugar ao sol no oficial (e tão conceituado) Salon, em Paris, que o consideravam um convencional e eclético pintor parisiense.

De volta à cidade que o viu nascer, o pintor interessou-se pela música japonesa (muito em voga entre os intelectuais da altura) e, por consequência, as gravuras que a representavam. Foi a partir destas influências nipónicas que Degas criou o desejo de reinterpretar a linguagem figurativa, libertando-a de normas e convenções académicas que ditavam o certo e o errado na arte. E eis que, no timing perfeito, a fotografia ganha relevância. Degas, mesmo antes de começar a fotografar, ao contactar com esta nova realidade a duas dimensões, estabelece entre ela e a pintura um paralelismo e começa a pintar como quem fotografa, tentando retratar um único instante a partir da sua memória.

A Orquestra na Ópera (1869)
A Orquestra na Ópera (1869)

Já perto dos 30 anos, Degas conhece Édouard Manet, de quem ficou muito amigo e cuja influência acabou por ser muito significativa no seu percurso. Através de Manet, passou a fazer parte de um círculo de jovens artistas que se tornariam os famosos Impressionistas. Criticados pela academia na época, nomes como Édouard Manet, Claude Monet, Paul Cézanne, August Renoir e Camille Pissarro, entre vários outros, decidiram unir forças e criar um novo movimento artístico, à sua medida. Degas, apesar de se identificar com algumas características do Impressionismo, nunca se viu como um Impressionista. 

Sempre um solitário, embrenhado na arte e viciado em pintura, Degas acabou por, em 1870, servir na Guerra Franco-Prussiana, na artilharia da Guarda Nacional francesa, tendo esta breve fase da sua vida ficado marcada pela pintura histórica. Logo depois, para se afastar e recuperar deste período, retirou-se durante cinco meses para Nova Orleães (EUA), onde um tio tinha um negócio de produção de algodão. 

Negociantes de algodão em Nova Orleães (1873)
Negociantes de algodão em Nova Orleães (1873)

A estabilidade financeira de Degas chega ao fim em 1874, quando o seu pai morre e lhe deixa algumas dívidas. O pintor viu-se obrigado a desfazer-se da coleção de arte riquíssima que havia adquirido ao longo dos anos, bem como a precisar de ajuda para expôr as suas obras. Entre 1874 e 1886, foi o amigo Édouard Manet que convidou Degas a expôr as suas obras ao lado de quase 40 Impressionistas. As obras do pintor integraram a primeira exposição de arte impressionista de sempre, com telas tão célebres quanto Cavalos de Corridas. 

Cavalos de Corridas (1879)
Cavalos de Corridas (1879)

Mas os seus conflitos com os restantes membros deste grupo (somados ao facto de não se identificar com a pintura de paisagens), fê-lo rejeitar o título de fundador do Impressionismo. A imprensa popularizou o termo e a História eternizou-o, mas ainda hoje muitos historiadores da arte questionam a inclusão do seu nome neste movimento artístico. Se, por um lado, Degas fez parte de um movimento que revolucionou a forma tradicional de olhar para a arte e que abriu caminho para a Arte Moderna, por outro, foi sempre um conservador. É que, além de usar a luz e a cor de formas bem diferentes dos Impressionistas, pintava momentos e cenas exteriores. Degas interessava-se pouco pelas célebres paisagens de Claude Monet e dos restantes paisagistas, preferindo as corridas de cavalos, os concertos de música, as peças de teatro, a ópera e, claro, os bailados.

A Aula de Dança (1875)
A Aula de Dança (1875)

“A Aula de Dança”, realizada entre 1871 e 1874, é a primeira grande obra em que Edgar Degas se dedica ao universo da dança e, em particular, do ballet. Na década de 70, Degas é presença assídua em apresentações de ballet na Ópera de Paris. Era conhecido por pintar o backstage e estudar o movimento das bailarinas, passando mais tempo nas aulas e ensaios do que nos espetáculos. As bailarinas eram uma fonte de inspiração e as obras que criou a partir delas são hoje a sua imagem de marca.

Em 1881, expôs a sua primeira escultura, que representava uma pequena bailarina (interpretada agora, no âmbito da nossa exposição, pela bailarina profissional Carlota Rodrigues, fotografada por Henrique Morais); esta era a primeira escultura de sempre a incluir um elemento real, que neste caso era uma saia, em tecido. Seguiram-se outras 72 esculturas de bailarinas. A partir desta altura, na década de 80, com a visão já bastante comprometida, a sua técnica na pintura mudou: debruçava-se menos sobre detalhes e os tons pastel passaram a ser os mais utilizados. Mantiveram-se no entanto as suas musas de inspiração: as bailarinas.

Degas havia de morrer em 1917, com 83 anos, em Paris, deixando um legado imensurável, estudado e admirado ainda hoje. Este aristocrata que nunca foi (nem quis ser) aceite pelos Impressionistas, na realidade também não pertencia à sociedade conservadora, que ousava desafiar com as suas inovadoras técnicas, desrespeitando as normas impostas aos artistas da época. O seu estilo tão difícil de definir marcou a História e foi um ponto de viragem sem retorno na arte.

Para saber mais sobre a obra de Degas, nada como conhecê-la, ao vivo e a cores. A exposição do NorteShopping, de entrada livre, inaugura já no dia 11 de abril e termina a 30 de maio. Saiba tudo aqui e venha conhecer o “Mundo do Ballet”, que era afinal o mundo de Edgar Degas.

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